Por ter uma audiência na internet, existem algumas experiências com as quais eu me acostumei ao longo dos anos. Algumas delas são legais; outras, nem tanto.
Comecemos com as legais, pra isso aqui não ficar com cara de choramingo de “celebridade” que não aguenta mais ser famosa, ai meu deus que suplício!!!!111. Já é difícil levar a sério gente REALMENTE FAMOSA falando isso (Brad Pitt, tá achando ruim ser rico e famoso? Paga minhas conta e faz meus plantões por mim então, filho da puta), imagina então um vlogueiro de merda igual eu.
O carinho que eu recebo da galera é muito bacana. Por questões geográficas (sempre fui ruim de geografia na escola e por isso hoje não sou pago um salário que me permita viajar) tive poucas oportunidades de interagir pessoalmente com a galera que gosta do que eu faço. Mas em todas eu me senti rodeado não de admiradores ou fãs, mas de amigos que se importam comigo.
Tem a questão financeira, óbvio — não é possível transformar um hobby em uma fonte de renda sem que pessoas gostem do que você produz, e por extensão, gostem de você. Eu não mencionei isso até hoje, mas a minha esposa largou um trampo horrível pra voltar a estudar e isso só foi possível por causa do apoio monetário que o site/vlog/podcast geram.
(Eu colocaria uma foto dela dando joinha mas ela não está aqui em casa pra posar pra mim.)
Mas tal qual aquele lanche delicioso do podrão da esquina da faculdade, há um lado sombrio da fama de internet também — você vira um para-raios de gente raivosa.
Acontece por vários motivos. Tem o clichezaço “É TUDO INVEJA!!!!“, que eu particularmente jamais uso como argumento porque soa deveras arrogante. O sentimento não é fictício, evidentemente; existem pessoas que pegam antipatia por alguém literalmente DO NADA, simplesmente por ver a pessoa em posição de destaque, mas eu acho que apontar alguém como “invejoso” é de uma falta de auto-crítica gritante.
Tem a questão de que comunicadores como eu são pitaqueiros profissionais; está em nosso sangue e na nossa descrição de trabalho dar opiniões sobre isso e aquilo. É impossível dar opiniões públicas com frequência sem esbarrar com a rejeição do argumento. O problema é que quando alguém com um grande público fala algo “errado”, e você tem certeza plena de que o SEU ponto de vista é mais ponderado, com mais experiência no assunto e com melhor contexto, mas você SABE que a voz “errada” será mais ouvida, é impossível não sentir um ressentimento imediato.
E tem os momentos em que eu sou abertamente escroto com alguém, acidentalmente ou de propósito. Que é, eu diria, o motivo mais honesto pra alguém não gostar de mim. Tem algumas pessoas na internet que me odeiam que eu não sou capaz de dar nenhuma outra explicação além de “nope, aquele lá tem razão. Eu fui escroto mesmo“.
Enfim. A questão é que muito frequentemente eu estou na situação de ouvir impropérios nas minhas mentions do Twitter — aliás, é curioso como o imediatismo do Twitter facilita o hate mail. O que faz sentido, o Twitter é meio que uma “stream of consciousness“. Comentário raivoso no HBD? Poucos. Email revoltado? Há anos não recebo um. Já tweets revoltados… é todo dia.
Eu recebo o desacordo e a discussão de braços abertos, porque eu sempre fui chegado a um judô verbal. Acontece que às vezes dá pra notar que o sujeito está afim de algo mais agressivo.
O debate é produtivo, às vezes — quer eu consiga mudar a opinião de alguém ou ele muda a minha, de alguma forma algo transformativo, produtivo, aconteceu. Quando a pessoa vem com sangue nos olhos querendo CONFRONTAR em vez de debater, nada de útil sai. Geralmente é fácil notar a diferença em tons; o Tom 1 é “bom, tem isso, mas você já considerou X e Y? Como você concilia sua opinião com estes fatos?“, enquanto o Tom 2 é mais pro lado do “COMO VOCÊ OUSA TER ESSA OPINIÃO BEM AQUI NA MINHA FRENTE?“.
Meu tempo é limitadíssimo, então não posso me dar ao luxo da conversa não-produtiva. Quando noto que o terreno é infértil pro intercâmbio de idéias, eu tasco um mute no cidadão, deixando-o falando sozinho, e parto pra próxima. O mute é mais interessante porque o mutado não tem idéia do que aconteceu; ele pensa que é tão insignificante que você nem se dá ao trabalho de reconhecer sua existência. Isso se tornou necessário porque existe nas redes sociais um hábito curioso de empunhar bloqueios como medalha de honra ao mérito.
De todas as “realizações” internéticas que se usam como instrumento de gabolice (por pessoas que só posso imaginar que tem pouquíssimas realizações tangíveis no mundo real), o block é talvez a mais patética.

Patético.
Já já abordo isso novamente.
Hoje o fenômeno aconteceu de novo. Alguém me confrontou por ter feito/dito algo. Eu falei, de forma meio desinteressada (por notar aquela altivez característica do Tom 2), que a pessoa tem sempre a alternativa me dar unfollow, e é isso aí mesmo, grande abraço.
O sujeito continou mandando mensagens furiosas, escalando a animosidade. Eventualmente decidi que era um caminho sem volta; bloqueei o sujeito. Enquanto eu prefiro atualmente dar o tal mute, o Tweetdeck me fode a vida deixando ambas opções próximas no cardápio de “leve este sujeito pra longe de mim”, e eu cliquei em um quando deveria ter clicado no outro.

Vamo ajeitar isso aí, Tweetdeck
Como manda a cartilha, o sujeito começou a berrar histrionicamente sobre o block. E eu mais uma vez confirmei que ninguém é bloqueado e fica quieto. Ninguém reage a um block com a indiferença que a pessoa frequentemente berra sentir sobre o ocorrido. Em vez disso, a pessoa (aparentemente se sentindo injustiçada?) tenta reestruturar o ocorrido numa verdadeira ginástica olímpica de dissonância cognitiva.
Primeiro, a pessoa se pinta como vencedor que triunfou numa batalha retórica — “sou tão bom no debate, mas TÃO BOM, que este desgraçado me bloqueou!” A entrelinha aqui é “EU VENCI!“, talvez uma forma de compensar fracassos na vida real. Nesta caixinha hermeticamente fechada em que ele monta um pequeno diorama do que aconteceu, ele é o protagonista e herói.
Após implorar pro seu pequenino círculo social (novamente, gente com esse tipo de alma venenosa raramente tem um grande grupo ao seu redor. Curiosa coincidência…) que validem sua versão dos fatos, quase clamando pelo reconhecimento de sua superioridade argumentativa, começa a sessão de “troca de figurinha”.
A pessoa inevitavelmente tem vários outros amiguinhos também traumatizados por um block do mesmo autor e estes começam a acalentar o companheiro, com uma linguagem que em muito lembra (tanto em formato quanto conteúdo) aquela clássica figura da mãe acalmando o filhinho que chora após um desentendimento na escola.
“Não liga não, eles não merecem você! Você é muito bacana, ELES é que são escrotos, óbvio!”, pontuado aqui e ali por suas próprias histórias de como foram bloqueados (mas que não se importam NADA, NADINHA, absolutamente nada!)
Por que diabos o sujeito manteria a lembrança e amargura de uma situação que insiste que não dá a mínima é no mínimo peculiar.
Hoje eu tive um insight sobre esse fenômeno, e isso me faz ver toda a situação de outra forma.
A reação exagerada perante rejeição — e não se engane; um block é uma rejeição — faz muito sentido quando você examina o contexto maior da relação que alguém como eu tem com alguém que gosta do meu conteúdo.
Por via de regra, é um relacionamento desigual. Você sabe quem eu sou, talvez admira a mim, ou o que eu produzo. Por algum motivo ou outro, você se interessa por mim.
Por questões meramente matemáticas, eu não posso retribuir o mesmo sentimento a TODO MUNDO que me acompanha. Eu tento conversar com todo mundo (meu Twitter é a prova disso; respondo tantos quanto posso), mas é literalmente impossível conhecer tanto dos seguidores quanto eles conhecem de mim, nem que eu fizesse disso meu trabalho em tempo integral.
A pessoa me segue, mas eu não a sigo. Ela acompanha minha vida, meu dia a dia, meus relacionamentos, e eu frequentemente não sei sequer o nome da pessoa. É um típico relacionamento unilateral — um termo que, embora seja mais frequentemente usado pra descrever relações românticas, também se aplica ao relacionamento entre amigos.
A maior parte das pessoas aceita isso como a natureza fundamental do relacionamento de produto de conteúdo/admirador do conteúdo, e segue sua vida sem jamais pensar na coisa. Alguns, por qualquer motivo (carência, talvez…?), nutrem no adubo dessa desigualdade um crescente ressentimento. E esse ressentimento vem à tona quando o sujeito pensa (às vezes, sem perceber) “ah, foda-se, agora vou falar mesmo!!!!”.
Quando isso é respondido com um block, que é essencialmente descartar a pessoa, parece que aquele nervo exposto do “eu me importo mais com ele do que ele se importa comigo” é atingido com a força de 1000 Carretas Furacões. Esse gesto deve ser interpretado pelo bloqueado como “eu já cagava pra sua existência antes, agora eu não quero sequer ter contato com você”, e talvez daí venha aquele ímpeto de recontar a história.
Sabe aquela típica piada sitcomzística do cara que, enquanto conta a história de como a namorada o largou, inverte os papéis e conclui que ELE é que deu um pé na bunda dela? É mais ou menos isso, mas acontecendo quase simultaneamente; o cara convence-se a si mesmo (e a quem mais puder, por que lembre-se: o bloqueado NUNCA leva seu block em silêncio. N U N C A) de que ele é o gente boa da situação, e que a pessoa que o descartou é que é um bobão.
É um mecanismo de defesa, basicamente.
Da próxima vez que você ver alguém celebrando um block de alguém que ela costumava seguir, entenda que na verdade o sujeito está tentando apenas se defender. E repare também que o bloqueado FREQUENTEMENTE se refere novamente ao bloqueadosr, repetidamente, com uma palpável mágoa.
Há algum tempo, quando eu empregava o block com mais frequencia, era corriqueiro ir ao Search do twitter e buscar as mensagens que a pessoa havia mandando pra mim. É batata — mentions diários apareciam, quase todos deixados no vácuo, o acúmulo dos mesmos fertilizando o ressentimento do relacionamento desigual que um dia explode num QUER SABER? VÁ SE FODER raivoso.
Eu já presenciei isso no meu próprio trabalho. O relacionamento desigual, no caso, é o paciente todo lascado de câncer, virtualmente preso ao hospital, dependente (física e emocionalmente) dos parentes sadios que os vem visitar aqui e ali, a quem eles inevitavelmente veem em posição mais afortunada, “superior”. O fulano ainda tem sua saúde, sua força, seus cabelos, sua liberdade, ainda vai ver os filhos crescerem, ele tem tudo que eu queria ter e tudo que eu ganho em troca desse relacionamento são migalhas de sua atenção de vez em quando.
O ressentimento de ver-se naquela situação de dependência enquanto nutre a impressão de que os parentes não se importam tanto assim com ele explode na aparentemente contraditória situação do paciente expulsar os parentes do quarto aos gritos por causa de uma mínima “ofensa”.
A primeira vez que vi isso eu achei estranhíssimo. Hoje, já é totalmente compreensível.
Isso explica o fenômeno de “se gabar de block”. A pessoa não está realmente se gabando no senso comum da palavra; ela está buscando validação. O que ela busca é ouvir o relato de outro amargurado, pra que confirme sua narrativa de “tá vendo?!??!!?!? Eu estava certo — aquele cara é um escroto mesmo!!!!!”
É triste, mas fascinante. Igualmente curioso é o fato de que esse comportamento raramente vem de alguém profissionalmente/emocionalmente realizado. Você não vai ver, digamos, um Elon Musk, ou Jovem Nerd, ou um George RR Martin lamentando-se público e ruidosamente porque aquela pessoa que eles curtiam na internet se sentiram importunadas com sua presença e se livraram dela permanentemente.
Isso é porque gente realizada tá ocupada demais criando coisas pra dar alguma importância a isso.