Há muitos anos acompanho a palhaçada das bitcoins nas internets gringas (fóruns, reddit, encyclopedia dramatica, sascoisa), onde esta pífia e juvenil tentativa de circunventear os poderes financeiros mundiais é um célebre motivo de chacota. Nunca achei que o fenômeno bitcoin tivesse significância nacional, então por isso nunca abordei o assunto no meu blog, nem no vlog, nem no tuíter, nem em canto algum.
Entretanto, //www.youtube.com/watch?v=f1mRsTL3HQA
target=”_blank”>vi um vlog recente do Dâniel Fraga em que ele elogiava o bitcoin, e de repente me preocupei: e se alguns de meus queridos Amigos de Bolso™ — é o termo que uso para descrever meus seguidores, para quem não sabe; uma alusão ao fato de que eles estão sempre ao meu alcance, no meu bolso — caíssem desavisados nesta lorota financeira comparável a Herbalife?
Por isso, preparei mais um DOSSIÊ HBD pra você linkar pra algum amigo maluco que vem insistir nesses papos de anarcocapitalismo ou super liberalismo randiano. Vamos lá:
O que é bitcoin?
Bitcoin é uma moeda virtual criada em 2009 por Satoshi Nakamoto, seja lá quem este maluco (ou malucos) realmente eram, porque o nome era um pseudônimo e o “indivíduo” desapareceu desde então — o que já não inspira muita confiança na moeda e levanta suspeitas até mesmo entre os entusiastas da parada, como podemos ver aqui. Ninguém sabe quem é o cara, quanto ele lucrou na brincadeira de “inventar” a moeda, ou qual exatamente era o objetivo dele nesse negócio.
Como as bitcoins (não) funcionam?
É o seguinte. Primeiro, você baixa o software oficial da parada e a roda no seu computador. Dependendo da potência do mesmo (aparentemente, é preciso uma super-máquina cujo custo será infinitamente superior ao dinheiro que você jamais lucrará no processo), você vai ganhar algumas frações de bitcoins após rodar o aplicativo por algumas horas, gastando energia elétrica a rodo. O app usa umas matemáticas criptográficas bizarras pra gerar o “dinheiro”, por isso é necessário usar placas de vídeo parrudas.
Depois que você ganhou seu rico dinheirinho virtual, basta procurar algum serviço que o aceite.
Como você pode ver com facilidade, é extremamente difícil e oneroso produzir bitcoins, mas explicarei isso em melhores detalhes mais tarde.
Primeiro, atente ao fato de que no momento desta escrita (janeiro de 2013), um bitcoin vale 13 dólares. Não faz tanto tempo assim que essa porra valia 30 dólares; você pode acompanhar as flutuações da moeda no Mt.Gox, um pregão virtual cujo nome é derivado de Magic The Gathering Online Exchange. Yep, a função original dessa parada era servir como uma bolsa de valores de cartas de Magic — mais um detalhe que não inspira lá grande credibilidade.
Pera, um ex-site de Magic é a “Bolsa de Valores” dessa parada? Isso não me parece muito seguro.
Nem me diga. Em junho de 2011 o tal Mt.Gox (que lida com 90% das negociações em bitcoin no mundo inteiro, a propósito) foi hackeado, o que levou as bitcoins ao incrível preço de um centavo (o que é um centavo a mais do que elas realmente valem, deixando seus donos ainda no lucro).

Foi um crash similar que levou gente a se suicidar em Wall Street em 1929. Os nerds virgens que apóiam o bitcoin não fizeram o mesmo porque é impossível se jogar da janela quando moram no porão da casa da mãe.
Não foi a única vez que um mercado virtual da moeda foi hackeado e causou prejuízos aos usuários da moeda — ou pelo menos, foi a única vez em que ele foi hackeado de verdade. Em agosto de 2011, o MyBitcoin foi supostamente hackeado, e fechado em seguida. Nessa brincadeira, os usuários do serviço perderam quase um milhão de dólares ao todo, que era metade do dinheiro no serviço.
E tudo ficou por isso mesmo. A história nunca foi averiguada e, mais importante que isso, o dinheiro nunca foi devolvido. Nego se fodeu e pronto.
A propósito, Bruce Wagner (a personalidade internética responsável por promover o tal MyBitcoin) é um notório salafrário financeiro e a suspeita é que ele lucrou, direta ou indiretamente, com a suposta invasão.
A propósito, olha o número de vezes que “bancos virtuais” de bitcoins foram “hackeados”, quanto dinheiro os usuários perderam nisso, e mais surpreendentemente, quantas vezes o negócio ficou por isso mesmo (dica: todas).
A descentralização que os libertarianos tanto defendem como a maior vantagem do sistema de bitcoins — e você notará que apoiadores da moeda geralmente o fazem mais por inclinações políticas do que por real conhecimento de como investimentos, o mercado financeiro ou até mesmo matemática básica funcionam — é uma forte desvantagem também, porque quando rola uma merda dessa, fica tudo por isso mesmo.
Permita-me lembrar que um relatório do European Central Bank diz que o sistema bitcoin compartilha muitas semelhanças com esquemas de pirâmide.
Mas Izzy, um broder meu que manja dessas coisas e é super politizado falou que a vantagem do bitcoin é que, ao contrário de moedas fiat, ele não desvaloriza e não inflaciona, o valor dele só sobe!
Ele está errado — talvez por ignorância, talvez por malícia, mas está definitivamente errado.
Você mencionou que é difícil mineirar bitcoins. Explique isso melhor.
Com todo prazer! Por anos, boa parte do humor inerente à cultura bitcoin vem justamente da dificuldade de produzir a moeda, e da total ignorância de seus defensores em relação a isso.
É o seguinte: à primeira vista, tudo que você precisa fazer é rodar um programa no seu computador, e você ganha dinheiro. Parece um negócio da China, né?
Só que não é. Se liga: um computador “normal” — ou seja, digamos, o seu PC aí — é capaz de minerar aproximadamente (depois que você desconta o valor da eletricidade que você usou para rodar a parada) US$1.68 por dia. Ou seja, uma fração de um bitcoin.
E quando digo “por dia”, atente que isso significa após um período inteiro de 24 horas. Ou seja, essa atividade te renderá um pouco mais de 600 dólares por ano.
Incrivelmente, alguns usuários da moeda parecem não perceber que estão ganhando menos do que uma criança de rua que faz malabarismos no sinal.
Chegamos na parte em que eu mencionei que usuários de bitcoin não entendem como matemática funciona. Perceba que o rapaz acima pensa que está impressionando alguém por ter ganho “30 centavos por nada”.
E perceba também que o tom dele é “seu otário, fique aí me zoando porque eu acabo de fazer 30 centavos após apenas 12 horas destruindo o cooler da minha placa de vídeo”; creio que nem uma criança de 8 anos acharia isso uma atividade que valha a pena.
Em seguida ele diz que isso é “100% scalable”, o que quer dizer essencialmente “basta eu pegar mais computadores e aí rolarei na grana!”. Vamos ignorar o fato de que há obviamente um limite de quantos computadores ele pode enfiar na casa dele antes que o calor provocado pelas placas de vídeo trabalhando no talo dia e noite façam o maluco ter um piripaque (porque isso realmente aconteceu com um entusiasta de bitcoins).
Se você acha que isso é exagero, é porque nunca trabalhou com TI e nunca entrou numa sala de servidores.
Então, de volta ao 100% scalable. Digamos que este maluco compre o computador mais vagabundo possível (que custe uns US$400) pra empregar na tarefa de mineirar bitcoins. Ele demorará quase dois anos, rodando a nova máquina 24 horas por dia, pra que ela se pague. Só aí ele começará a “lucrar” com a operação — agora fazendo invejáveis US$1.20 por dia. Um pouco mais de R$70 por mês.
Por motivos incompreensíveis, esse indivíduo acha cabível vangloriar-se disso. Muitos desses malucos, por morar com os pais e não pagar a conta elétrica em casa, raciocinam que estão lucrando mais — ainda mais deprimente.
Pra você ter uma noção, este site entusiasta de bitcoin fez um mega relatório sobre em qual estado americano seria mais proveitoso mineirar bitcoins, usando variáveis como o valor do kilowatt e a placa de vídeo utilizada. E a conclusão anticlimática diz nas entrelinhas que a parada não vale a pena.
Mas tem gente que realmente acredita que o negócio é “100% scalable” e monta essas monstruosidades:
Tem gente que vai ao extremo, como este usuário do Reddit que gastou US$10.000 e acabou com 300 bitcoins quando decidiu que estava desperdiçando sua vida atrás do sonho do “dinheiro grátis” — ou seja, ele perdeu quase 70% do investimento em três meses que “consumiram sua vida”.
A real comédia vem agora. Sabe o tal calor produzido pelas placas de vídeo durante essa putaria?
TEM MALUCO TENTANDO USAR ESSE CALOR GERADO POR UMA PRACA DE VÍDEO PRA FAZER COMIDA. Que sebosidade absurda.
E ele não é o único. Olha que indescritível nojeira (foi nos comentários desse vídeo, aliás, que encontrei o magnata dos 60 centavos por dia):
//www.youtube.com/watch?v=JPXAob32Boc
Notou que ele fez apenas 3.44 bitcoins após DOIS DIAS INTEIROS? Ou seja, o “lucro” dele não chega nem a 45 dólares. E isso é ANTES de você descontar o valor do kilowatt/hora que ele gastou nessa brincadeira, ou ao fato de que ele está pouco a pouco destruindo quatro VGAs por mixaria.
O lucro do cara, mesmo após dedicar tanto hardware pra essa atividade, é ridículo. Alguém que trabalhe no McDonalds por esses mesmos dois dias (ou, na realidade, 8 horas por dia, durante dois dias, ou seja: menos tempo) ganharia MAIS que isso — sem precisar investir em 4 placas de vídeo.
Repare também que a casa do cidadão soa como a sala de máquinas de um transatlântico onde instalaram um palco de show de metal onde os músicos tocam usando britadeiras… em troco de migalhas.
Diga-se de passagem, esta aparente tentativa de perverter as leis da termodinâmica é uma das maiores piadas do submundo bitcoinzístico. A única real utilidade pro serviço resume-se, literalmente, num brinquedinho culinário para crianças.
Mas Sr. Izzy A. Nobre, se isso é uma merda, qual a real utilidade das bitcoins?
Aí que tá. Ninguém usa bitcoin com boas intenções; o único valor da moeda é a (quase) anonimidade do usuário, o que a rendeu o título de moeda mais utilizada na tal deep web pra comprar itens ilícitos. De fato é um oceano de credibilidade essa porra, ein?
Como nenhum estabelecimento legítimo usa essa merda (tenta aí pagar seu aluguel ou a conta de eletricidade do mês com as bitcoins e me conta o resultado!), os tais 13 dólares por bitcoin que ela vale hoje é um valor “virtual”. Uma bitcoin vale 13 dólares na minúscula comunidade de entusiastas dela; no mundo real, ela não vale nada. Assim com um Jace The Mind Sculptor chegou a valer 100 dólares há alguns anos, mas pessoas não-nerd vêem a carta como um pedaço de papel sem valor algum.
Tem muito mais gente comprando e vendendo cartas de Yu Gi Oh, por exemplo; o valor delas é, galhofisticamente, muito mais legítimo do que essas moedas virtuais aí.
BITCOINS VALEM MENOS E TEM MENOR BASE INSTALADA DE USUÁRIOS QUE CARTAS DE YU GI OH. E no entanto tem gente gastando centenas ou até milhares de dólares comprando hardware pra mineira-las!
Ah, e ela serve como fantasia idealista pra maluco ignorante que se acha politizado.
Em resumo: bitcoins e seus entusiastas residem na mágica intersecção de
- pessoas que não entendem o mercado financeiro,
- pessoas que não entendem investimentos, e
- pessoas que não entendem matemática.
Ou seja, só podia existir na internet mesmo.
Do ponto de vista político/idealístico, as bitcoins parecem realmente a solução financeira perfeita (lembrando que no papel, socialismo parece perfeito também…). É por isso que muita gente (até inteligente) se apega tanto a elas. Acontece que, como tudo que parece bom demais pra ser verdade…
[ Update ] Sim, o preço dessa bosta subiu vertiginosamente, como é o caso com qualquer bolha. Acontece que a “moeda” tem apenas especuladores e investidores, e não usuários, então todos os argumentos continuam valendo.
Mas se você acha legal “investir” nessa porra, vai fundo mano.